Enviado por Thaís Zara
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A história da culinária e da etiqueta, por um cultor da gastronomia
POR OSCAR PILAGALLO
Alexandre Dumas não era exatamente um sujeito moderado. Gostava de escrever, e perpetrou ao longo da vida (1802-1870) não apenas uma ou duas centenas de livros, muitos no gênero romance-folhetim que ele criou. No total, foram mais de trezentos títulos, entre os quais Os três mosqueteiros e O conde de Monte Cristo.
Gostava também de comer e de se divertir, e o fazia sem se preocupar com limites. "Grandalhão, de verve inesgotável, sucessivamente milionário e falido, adepto dos haréns, capaz de rasgos impetuosos e teatrais." É assim que o escritor francês é descrito por André Telles na apresentação do pequeno volume Memórias gastronômicas, agora traduzido para o português pela Jorge Zahar Editor.
A ânsia de comer, de entreter, de trabalhar, enfim, a ânsia de viver com intensidade associou Dumas ao adjetivo pantagruélico. Pantagruel era o nome daquele personagem comilão de Rabelais, conterrâneo de Dumas, que viveu três séculos antes.
Alexandre Dumas, no entanto, faz distinção entre quantidade e qualidade. Ao classificar os tipos de apetite, menciona os oriundos da glutonaria e da gastronomia. O glutão insaciável está para o vício como o gastrônomo delicado está para a virtude.
Para sublinhar a carga negativa da glutonaria, Dumas recorre à história da Antigüidade. Lembra de Cronos, que devora os próprios filhos, temendo ser por eles destronado. Bem humorado, Dumas só o perdoa por ter fornecido a Pierre Vergniaud, guilhotinado durante a Revolução Francesa, esta comparação: "A Revolução é como Cronos: ela devora seus filhos".
Quanto à gastronomia, é chamada de "a gula dos espíritos delicados". Está relacionada "à necessidade sentida por certos anfitriões de reunir em casa alguns amigos, nunca em número menor que `as graças´ (as três filhas do Zeus da mitologia grega), nunca em número maior que `as musas´ (as nove deusas gregas da literatura e das artes)".
A Grécia Antiga foi onde e quando os grandes jantares tiveram início. "Foi nesses elegantes jantares que a conversação grega se formou, conversação copiada depois por todos os povos", relata Dumas. "Daí a expressão `sal ático´ para designar o estilo refinado dos atenienses."
O que saía da boca dos gregos, porém, era melhor do que o que entrava. Com seus vinhos doces e suas sobremesas que estufavam o jantar, Atenas nunca teve o que os romanos chamaram de grande cozinha. Como tudo na Roma helenizada, no entanto, também na culinária a Grécia foi um ponto de partida. Os primeiros cozinheiros em Roma eram gregos.
A cozinha romana só ganharia impulso tempos depois, com as conquistas. "Todos esses devastadores do mundo, que iam levar o nome e os grilhões de Roma a norte, sul, leste e oeste, carregavam consigo seus cozinheiros. Estes traziam para Roma, de todas as regiões, os pratos que julgavam dignos da cozinha romana."
Os modos à mesa são um capítulo à parte. Ao puxar um fio histórico da culinária, Dumas mostra como a etiqueta é caprichosa. A colher e o garfo, diz ele, foram pouco a pouco banidos da França até o século XVI, e seu uso só tornou corrente no século XVIII.
Como bom aperitivo que é, Memórias gastronômicas abre o apetite do leitor. O prato de resistência, o Grande dicionário de culinária de Dumas, será servido em breve, anuncia a editora.
Oscar Pilagallo é editor da revista EntreLivros
pilagallo@duettoeditorial.com.br
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A história da culinária e da etiqueta, por um cultor da gastronomia
POR OSCAR PILAGALLO
Alexandre Dumas não era exatamente um sujeito moderado. Gostava de escrever, e perpetrou ao longo da vida (1802-1870) não apenas uma ou duas centenas de livros, muitos no gênero romance-folhetim que ele criou. No total, foram mais de trezentos títulos, entre os quais Os três mosqueteiros e O conde de Monte Cristo.
Gostava também de comer e de se divertir, e o fazia sem se preocupar com limites. "Grandalhão, de verve inesgotável, sucessivamente milionário e falido, adepto dos haréns, capaz de rasgos impetuosos e teatrais." É assim que o escritor francês é descrito por André Telles na apresentação do pequeno volume Memórias gastronômicas, agora traduzido para o português pela Jorge Zahar Editor.
A ânsia de comer, de entreter, de trabalhar, enfim, a ânsia de viver com intensidade associou Dumas ao adjetivo pantagruélico. Pantagruel era o nome daquele personagem comilão de Rabelais, conterrâneo de Dumas, que viveu três séculos antes.
Alexandre Dumas, no entanto, faz distinção entre quantidade e qualidade. Ao classificar os tipos de apetite, menciona os oriundos da glutonaria e da gastronomia. O glutão insaciável está para o vício como o gastrônomo delicado está para a virtude.
Para sublinhar a carga negativa da glutonaria, Dumas recorre à história da Antigüidade. Lembra de Cronos, que devora os próprios filhos, temendo ser por eles destronado. Bem humorado, Dumas só o perdoa por ter fornecido a Pierre Vergniaud, guilhotinado durante a Revolução Francesa, esta comparação: "A Revolução é como Cronos: ela devora seus filhos".
Quanto à gastronomia, é chamada de "a gula dos espíritos delicados". Está relacionada "à necessidade sentida por certos anfitriões de reunir em casa alguns amigos, nunca em número menor que `as graças´ (as três filhas do Zeus da mitologia grega), nunca em número maior que `as musas´ (as nove deusas gregas da literatura e das artes)".
A Grécia Antiga foi onde e quando os grandes jantares tiveram início. "Foi nesses elegantes jantares que a conversação grega se formou, conversação copiada depois por todos os povos", relata Dumas. "Daí a expressão `sal ático´ para designar o estilo refinado dos atenienses."
O que saía da boca dos gregos, porém, era melhor do que o que entrava. Com seus vinhos doces e suas sobremesas que estufavam o jantar, Atenas nunca teve o que os romanos chamaram de grande cozinha. Como tudo na Roma helenizada, no entanto, também na culinária a Grécia foi um ponto de partida. Os primeiros cozinheiros em Roma eram gregos.
A cozinha romana só ganharia impulso tempos depois, com as conquistas. "Todos esses devastadores do mundo, que iam levar o nome e os grilhões de Roma a norte, sul, leste e oeste, carregavam consigo seus cozinheiros. Estes traziam para Roma, de todas as regiões, os pratos que julgavam dignos da cozinha romana."
Os modos à mesa são um capítulo à parte. Ao puxar um fio histórico da culinária, Dumas mostra como a etiqueta é caprichosa. A colher e o garfo, diz ele, foram pouco a pouco banidos da França até o século XVI, e seu uso só tornou corrente no século XVIII.
Como bom aperitivo que é, Memórias gastronômicas abre o apetite do leitor. O prato de resistência, o Grande dicionário de culinária de Dumas, será servido em breve, anuncia a editora.
Oscar Pilagallo é editor da revista EntreLivros
pilagallo@duettoeditorial.com.br
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