06/03/2007 - 06h20m - Atualizado em 06/03/2007 - 08h30m
Trio simula mal de Alzheimer no computador
Experimento mostra que comportamentos repetitivos são fruto da perda de memória.
Cientistas dizem que mecanismo também pode explicar fenômenos da economia.
Salvador Nogueira Do G1, em São Paulo entre em contato
Ao perder a memória recente, ele era incapaz de lembrar sequer seus últimos passos. Então surgiram outros problemas. Ele passou a fazer várias vezes a mesma coisa, incapaz de recordar que já havia feito aquilo. Se você acha que estamos falando de um paciente vitimado pelos estágios iniciais do mal de Alzheimer, se enganou. Esse é meramente um programa de computador.
O "experimento virtual" foi concebido por um trio de físicos no Brasil e ganhou recentemente as páginas da prestigiosa revista científica americana "Physical Review Letters". Seus resultados podem trazer lampejos impressionantes sobre como as doenças neurodegenerativas, entre as quais o mal de Alzheimer, prejudicam o funcionamento do computador mais sofisticado que existe -- o cérebro humano.
Nessa pesquisa, José Carlos Cressoni e Gandhimohan Viswanathan, da Universidade Federal de Alagoas, e Marco Antonio da Silva, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, trocaram o paciente por um artefato digital conhecido como "caminhante aleatório".
Ele é basicamente um ponto numa tela -- mais precisamente, um ponto que caminha pela tela. Seus passos são definidos aleatoriamente, ou seja, o computador sorteia para que lado andar. "Uma pessoa pode andar em três dimensões, mas a gente limita o caminhante a apenas uma dimensão -- ele pode andar para um lado ou para o outro", explica ao G1 Gandhi Viswanathan, um indiano que mora desde menino no Brasil. "E o que a gente vê é que muitos fenômenos da física podem ser entendidos com mais facilidade se a gente reduz a liberdade a uma dimensão."
Foi o que eles fizeram com o caminhante aleatório de seu experimento. Na simulação original, ele armazenava cada passo dado, acumulando uma memória de suas ações. Então, sua programação criava uma tendência -- se ele andasse muitas vezes para um lado só, o programa manipulava as probabilidades de forma a aumentar a chance de ele ir para o lado oposto. Era basicamente um mecanismo de compensação, inserido justamente para evitar repetições.
A novidade
Experimentos como esse não foram inventados pelo trio. "Nossa contribuição foi brincar com a memória desse caminhante aleatório", conta Viswanathan. Os pesquisadores decidiram deletar parte da memória do caminhante. "Em 2006, a gente analisou o que acontecia quando ele perdia a memória distante. Os resultados não foram muito surpreendentes. Mas, quando fizemos o contrário, apagando a memória recente, que é justamente como começa o mal de Alzheimer, a gente encontrou comportamento repetitivo, mesmo quando a tendência do programa era compensar as repetições."
A maluquice é que o senso comum sugere que alguém só pode repetir um comportamento de forma exata várias vezes ao se lembrar dele, para repeti-lo. O novo estudo demonstra exatamente o contrário, de uma forma contundente, matemática: é justamente a falta de lembrança que dispara as ações repetitivas. Essa conclusão é bastante relevante para os médicos que estudam o mal de Alzheimer.
Sabe-se que as vítimas dessa doença, que afeta principalmente pessoas idosas e progride pelo surgimento de placas de uma substância chamada beta-amilóide entre os neurônios do cérebro, são acometidas pela falta de memória recente e pela tendência a repetir comportamentos -- cantarolar músicas ou fazer as mesmas perguntas até dezenas de vezes, em poucas horas.
"Os médicos já sabiam que as coisas andavam juntas -- quanto maior a perda de memória, maior o comportamento repetitivo. Mas não havia relação causal", diz Viswanathan. "O nosso estudo não prova conclusivamente, mas é um forte indício de que há relação de causa entre uma coisa e outra."
Por que então o trio de pesquisadores optou por publicar seu estudo num periódico de física, em vez de numa revista médica?
Regras gerais
"Optamos por isso porque não achamos que isso se restringe à medicina e ao mal de Alzheimer", explica Viswanathan. "Esse é um mecanismo mais geral. Esses mesmos experimentos podem também explicar coisas como sistemas econômicos. A chamada 'bolha especulativa' tem uma relação forte com comportamentos repetitivos."
Ainda assim, os cientistas pretendem avançar com a pesquisa para além das simulações de computador. O próximo passo deve envolver parcerias com médicos, para demonstrar de forma quantitativa essa relação entre a perda de memória e os comportamentos repetitivos em vítimas do mal de Alzheimer.
Entretanto, para os físicos o resultado já mostra implicações profundas. Uma delas é a de que talvez o cérebro humano, com todas as suas complexidades, possa ainda assim ser encarado como um computador. "Há várias evidências hoje que apontam nessa direção", diz Viswanathan. "O nosso estudo é mais uma peça nesse quebra-cabeça que indica que o cérebro talvez seja simplesmente um sistema como outro qualquer."
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