Texto extraído do Blog do Reinaldo Azevedo.
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À Espera dos Bárbaros, do poeta grego, nascido em Alexandria (Egito), Constantino Kaváfis (1863-1933). A tropa de choque, para eles, é uma espécie de solução. E se ela não vier nunca? Nem ela nem uma negociação? Nada? Que ficassem lá: em sua estupidez, em sua burrice, em sua solidão. Segue o poema, na tradução de José Paulo Paes.
O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
Blog do Tobias. Um pouco do FEBEAPÁ (festival de besteiras que assola o país) e algo além dele. Criado especialmente em homenagem aos amigos que recebem meus inúmeros e-mails.
sexta-feira, 25 de maio de 2007
domingo, 6 de maio de 2007
Sinto vergonha de mim - Rui Barbosa
"Por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
Que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
atos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.
'Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo
que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...
Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti, povo brasileiro!
De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto".
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
Que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
atos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.
'Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo
que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...
Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti, povo brasileiro!
De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto".
segunda-feira, 12 de março de 2007
Experimento mostra que comportamentos repetitivos são fruto da perda de memória - Portal Globo, 06.03
06/03/2007 - 06h20m - Atualizado em 06/03/2007 - 08h30m
Trio simula mal de Alzheimer no computador
Experimento mostra que comportamentos repetitivos são fruto da perda de memória.
Cientistas dizem que mecanismo também pode explicar fenômenos da economia.
Salvador Nogueira Do G1, em São Paulo entre em contato
Ao perder a memória recente, ele era incapaz de lembrar sequer seus últimos passos. Então surgiram outros problemas. Ele passou a fazer várias vezes a mesma coisa, incapaz de recordar que já havia feito aquilo. Se você acha que estamos falando de um paciente vitimado pelos estágios iniciais do mal de Alzheimer, se enganou. Esse é meramente um programa de computador.
O "experimento virtual" foi concebido por um trio de físicos no Brasil e ganhou recentemente as páginas da prestigiosa revista científica americana "Physical Review Letters". Seus resultados podem trazer lampejos impressionantes sobre como as doenças neurodegenerativas, entre as quais o mal de Alzheimer, prejudicam o funcionamento do computador mais sofisticado que existe -- o cérebro humano.
Nessa pesquisa, José Carlos Cressoni e Gandhimohan Viswanathan, da Universidade Federal de Alagoas, e Marco Antonio da Silva, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, trocaram o paciente por um artefato digital conhecido como "caminhante aleatório".
Ele é basicamente um ponto numa tela -- mais precisamente, um ponto que caminha pela tela. Seus passos são definidos aleatoriamente, ou seja, o computador sorteia para que lado andar. "Uma pessoa pode andar em três dimensões, mas a gente limita o caminhante a apenas uma dimensão -- ele pode andar para um lado ou para o outro", explica ao G1 Gandhi Viswanathan, um indiano que mora desde menino no Brasil. "E o que a gente vê é que muitos fenômenos da física podem ser entendidos com mais facilidade se a gente reduz a liberdade a uma dimensão."
Foi o que eles fizeram com o caminhante aleatório de seu experimento. Na simulação original, ele armazenava cada passo dado, acumulando uma memória de suas ações. Então, sua programação criava uma tendência -- se ele andasse muitas vezes para um lado só, o programa manipulava as probabilidades de forma a aumentar a chance de ele ir para o lado oposto. Era basicamente um mecanismo de compensação, inserido justamente para evitar repetições.
A novidade
Experimentos como esse não foram inventados pelo trio. "Nossa contribuição foi brincar com a memória desse caminhante aleatório", conta Viswanathan. Os pesquisadores decidiram deletar parte da memória do caminhante. "Em 2006, a gente analisou o que acontecia quando ele perdia a memória distante. Os resultados não foram muito surpreendentes. Mas, quando fizemos o contrário, apagando a memória recente, que é justamente como começa o mal de Alzheimer, a gente encontrou comportamento repetitivo, mesmo quando a tendência do programa era compensar as repetições."
A maluquice é que o senso comum sugere que alguém só pode repetir um comportamento de forma exata várias vezes ao se lembrar dele, para repeti-lo. O novo estudo demonstra exatamente o contrário, de uma forma contundente, matemática: é justamente a falta de lembrança que dispara as ações repetitivas. Essa conclusão é bastante relevante para os médicos que estudam o mal de Alzheimer.
Sabe-se que as vítimas dessa doença, que afeta principalmente pessoas idosas e progride pelo surgimento de placas de uma substância chamada beta-amilóide entre os neurônios do cérebro, são acometidas pela falta de memória recente e pela tendência a repetir comportamentos -- cantarolar músicas ou fazer as mesmas perguntas até dezenas de vezes, em poucas horas.
"Os médicos já sabiam que as coisas andavam juntas -- quanto maior a perda de memória, maior o comportamento repetitivo. Mas não havia relação causal", diz Viswanathan. "O nosso estudo não prova conclusivamente, mas é um forte indício de que há relação de causa entre uma coisa e outra."
Por que então o trio de pesquisadores optou por publicar seu estudo num periódico de física, em vez de numa revista médica?
Regras gerais
"Optamos por isso porque não achamos que isso se restringe à medicina e ao mal de Alzheimer", explica Viswanathan. "Esse é um mecanismo mais geral. Esses mesmos experimentos podem também explicar coisas como sistemas econômicos. A chamada 'bolha especulativa' tem uma relação forte com comportamentos repetitivos."
Ainda assim, os cientistas pretendem avançar com a pesquisa para além das simulações de computador. O próximo passo deve envolver parcerias com médicos, para demonstrar de forma quantitativa essa relação entre a perda de memória e os comportamentos repetitivos em vítimas do mal de Alzheimer.
Entretanto, para os físicos o resultado já mostra implicações profundas. Uma delas é a de que talvez o cérebro humano, com todas as suas complexidades, possa ainda assim ser encarado como um computador. "Há várias evidências hoje que apontam nessa direção", diz Viswanathan. "O nosso estudo é mais uma peça nesse quebra-cabeça que indica que o cérebro talvez seja simplesmente um sistema como outro qualquer."
Trio simula mal de Alzheimer no computador
Experimento mostra que comportamentos repetitivos são fruto da perda de memória.
Cientistas dizem que mecanismo também pode explicar fenômenos da economia.
Salvador Nogueira Do G1, em São Paulo entre em contato
Ao perder a memória recente, ele era incapaz de lembrar sequer seus últimos passos. Então surgiram outros problemas. Ele passou a fazer várias vezes a mesma coisa, incapaz de recordar que já havia feito aquilo. Se você acha que estamos falando de um paciente vitimado pelos estágios iniciais do mal de Alzheimer, se enganou. Esse é meramente um programa de computador.
O "experimento virtual" foi concebido por um trio de físicos no Brasil e ganhou recentemente as páginas da prestigiosa revista científica americana "Physical Review Letters". Seus resultados podem trazer lampejos impressionantes sobre como as doenças neurodegenerativas, entre as quais o mal de Alzheimer, prejudicam o funcionamento do computador mais sofisticado que existe -- o cérebro humano.
Nessa pesquisa, José Carlos Cressoni e Gandhimohan Viswanathan, da Universidade Federal de Alagoas, e Marco Antonio da Silva, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, trocaram o paciente por um artefato digital conhecido como "caminhante aleatório".
Ele é basicamente um ponto numa tela -- mais precisamente, um ponto que caminha pela tela. Seus passos são definidos aleatoriamente, ou seja, o computador sorteia para que lado andar. "Uma pessoa pode andar em três dimensões, mas a gente limita o caminhante a apenas uma dimensão -- ele pode andar para um lado ou para o outro", explica ao G1 Gandhi Viswanathan, um indiano que mora desde menino no Brasil. "E o que a gente vê é que muitos fenômenos da física podem ser entendidos com mais facilidade se a gente reduz a liberdade a uma dimensão."
Foi o que eles fizeram com o caminhante aleatório de seu experimento. Na simulação original, ele armazenava cada passo dado, acumulando uma memória de suas ações. Então, sua programação criava uma tendência -- se ele andasse muitas vezes para um lado só, o programa manipulava as probabilidades de forma a aumentar a chance de ele ir para o lado oposto. Era basicamente um mecanismo de compensação, inserido justamente para evitar repetições.
A novidade
Experimentos como esse não foram inventados pelo trio. "Nossa contribuição foi brincar com a memória desse caminhante aleatório", conta Viswanathan. Os pesquisadores decidiram deletar parte da memória do caminhante. "Em 2006, a gente analisou o que acontecia quando ele perdia a memória distante. Os resultados não foram muito surpreendentes. Mas, quando fizemos o contrário, apagando a memória recente, que é justamente como começa o mal de Alzheimer, a gente encontrou comportamento repetitivo, mesmo quando a tendência do programa era compensar as repetições."
A maluquice é que o senso comum sugere que alguém só pode repetir um comportamento de forma exata várias vezes ao se lembrar dele, para repeti-lo. O novo estudo demonstra exatamente o contrário, de uma forma contundente, matemática: é justamente a falta de lembrança que dispara as ações repetitivas. Essa conclusão é bastante relevante para os médicos que estudam o mal de Alzheimer.
Sabe-se que as vítimas dessa doença, que afeta principalmente pessoas idosas e progride pelo surgimento de placas de uma substância chamada beta-amilóide entre os neurônios do cérebro, são acometidas pela falta de memória recente e pela tendência a repetir comportamentos -- cantarolar músicas ou fazer as mesmas perguntas até dezenas de vezes, em poucas horas.
"Os médicos já sabiam que as coisas andavam juntas -- quanto maior a perda de memória, maior o comportamento repetitivo. Mas não havia relação causal", diz Viswanathan. "O nosso estudo não prova conclusivamente, mas é um forte indício de que há relação de causa entre uma coisa e outra."
Por que então o trio de pesquisadores optou por publicar seu estudo num periódico de física, em vez de numa revista médica?
Regras gerais
"Optamos por isso porque não achamos que isso se restringe à medicina e ao mal de Alzheimer", explica Viswanathan. "Esse é um mecanismo mais geral. Esses mesmos experimentos podem também explicar coisas como sistemas econômicos. A chamada 'bolha especulativa' tem uma relação forte com comportamentos repetitivos."
Ainda assim, os cientistas pretendem avançar com a pesquisa para além das simulações de computador. O próximo passo deve envolver parcerias com médicos, para demonstrar de forma quantitativa essa relação entre a perda de memória e os comportamentos repetitivos em vítimas do mal de Alzheimer.
Entretanto, para os físicos o resultado já mostra implicações profundas. Uma delas é a de que talvez o cérebro humano, com todas as suas complexidades, possa ainda assim ser encarado como um computador. "Há várias evidências hoje que apontam nessa direção", diz Viswanathan. "O nosso estudo é mais uma peça nesse quebra-cabeça que indica que o cérebro talvez seja simplesmente um sistema como outro qualquer."
terça-feira, 6 de março de 2007
Onde está o neo-amor? - Arnaldo Jabor - Estado, 06.03.07
Onde está o neo-amor? - Arnaldo Jabor
Eu já fiz filmes de amor. Talvez por isso, e também pela música de Rita Lee com texto que escrevi, pessoas que encontro na rua me agarram e perguntam: 'Mas... afinal, o que é o amor?' E esperam, de olho muito aberto, uma resposta 'profunda'. Eu penso, penso e digo: 'Sei lá...'
Não sei, ninguém sabe, mas há no ar um lamento profundo pelo fim do sonho platônico de harmonia, de felicidade, de happy end. Sinto dizer, mas não há mais espaço para o happy end, nem no amor, nem na política, em nada.
Quando eu era jovem, nos anos 60/70, o amor era um desejo romântico. Depois, nos anos 80/90 foi ficando um amor de consumo, um amor de mercado. O ritmo do tempo acelerou o amor, o dinheiro contabilizou o amor, matando seu mistério impalpável.
O amor, e tudo mais, está perdendo a transcendência. Não existe mais o amante definhando de solidão, nem Romeus nem Julietas, nem pactos de morte, não existe mais o amor nos levando para uma galáxia remota, nem a sagrada simbiose que nos traria a eternidade feliz.
O amor não tem mais porto, não tem onde ancorar, não tem mais a família nuclear para se abrigar. O amor ficou pelas ruas, em busca de objeto, esfarrapado, sem rumo. Não temos mais músicas românticas, nem o lento perder-se dentro de 'olhos de ressaca', nem o formicida com guaraná. Mas, mesmo assim, continuamos ansiando por uma paixão impossível. Existe o amor, claro. O que chamamos de 'amor' vive dentro de nós como uma fome 'celular'. Está entranhado no DNA, no fundo da matéria. É uma pulsão inevitável, é uma reprodução ampliada da cópula entre o espermatozóide e o óvulo, se interpenetrando. Somos grandes células que querem se reunir, separadas pelo sexo que as dividiu. O resto é literatura. Se bem que grandes poetas como John Donne sabiam que não viramos 'anjos' com o amor; sabiam que o amor é uma demanda da terra, para atingirmos a calma felicidade dos animais.
Mas, onde anda, hoje em dia, esta pulsão chamada 'amor'? Bem... vamos lá:
Uma das marcas do século 21 é o fim da crença na plenitude, na inteireza, seja no sexo, no amor e na política. Não adianta nos lamentarmos, pois estamos diante de um mundo afetivo e sexual muito novo, que muda veloz como a tecnologia.
Se isso é um bem ou um mal, não sei. Mas é inevitável.
Temos de parar de sofrer romanticamente porque o 'acabou o amor' (ou mesmo o paraíso social...) ou, ao menos o antigo amor.
O pensamento afetivo, amoroso, ou filosófico continua lamentando uma unidade perdida. Continuamos - amantes ou filósofos - a sonhar como uma volta ao passado harmônico. Temos uma nostalgia lírica por alguma coisa que pode voltar atrás. Não volta. Nada volta atrás. Há que perder esperanças antigas e talvez celebrar um sonho mais trágico, efêmero. Em tudo.
Não adianta lamentar a impossibilidade do amor. Temos de celebrar o neo-amor. Cada vez mais só o parcial, o fortuito é gozoso. Só o parcial nos excita. Temos de parar de sofrer por uma plenitude que não chega nunca.
Hoje, há que assumir a incompletude talvez como única possibilidade humana. E achar isso bom. E gozar com isso.
Em todas as revistas, fotos, filmes, a 'imagerie' do erotismo contemporâneo 'esquarteja' o corpo humano. Vejam as artes gráficas, fotos de revistas de arte, como Photo, (ou em Tarantino) onde tudo é (reparem) decepado, dividido, pés, sapatos escarpins negros, unhas pintadas, bocas vermelhas, paus, seios, corpos imitando coisas, tudo solto como num abstrato painel. Tudo evoca a impossibilidade saudosa de um 'objeto total', da pessoa inteira.
À primeira vista parece uma louvação da perversão, do fetichismo, do erotismo das 'partes', do 'amor em pedaços'. No entanto, estamos além do fetichismo, além da perversão - conceitos do século 19.
Não há mais 'todo'; só partes. O verdadeiro amor total fica cada vez mais impossível, como as narrativas romanescas.
Hoje em dia, não há mais noção do que seria a felicidade, como antigamente. O que é ser feliz? Onde está a felicidade no amor e sexo? No casamento?
Sem a promessa de amor eterno, tudo vira uma aventura. Em vez da felicidade, o gozo rápido do sexo ou o longo sofrimento gozoso do amor, só as fortes emoções, a deliciosa dor, as lágrimas, hotéis, motéis, perdas, retornos, desertos, luzes brilhantes ou mortiças, a chuva, o sol, o nada.
O amor hoje é um cultivo da 'intensidade' contra a 'eternidade'. É o fim do happy end. É bom que acabe esta mentira do idealismo romântico americano, para legitimar a família e a produção, pois, na verdade, tudo acaba mal na vida. Não se chega a lugar nenhum porque não há aonde chegar.
O amor, para ser eterno, tem de ficar eternamente irrealizado. A droga não pode parar de fazer efeito e, para isso, a 'prise' não pode passar. Aí, a dor vem como prazer, a saudade como excitação, a parte como o todo, o instante como eterno. E, atenção, não falo de masoquismo; falo de um espírito do tempo. É bom sofrer numa metafísica passional, é bom a saudade, a perda, tudo, menos a insuportável felicidade.
Tudo bem, buscarmos paz e sossego, tudo bem nos contentarmos com o calmo amor, com um 'agapê', uma doce amizade dolorida e nostálgica do tesão, tudo bem... Mas, a chama emocionante só vem com a droga pesada do século 21: a paixão. E isso é bom. Temos de acabar com a idéia de felicidade fácil. Enquanto sonharmos com a plenitude seremos infelizes. A felicidade não é sair do mundo, como privilegiados seres, como estrelas de cinema, mas é entrar em contato com a trágica substância de tudo, com o não-sentido, das galáxias até o orgasmo. Temos de ser felizes sem esperanças.
E tem mais: este artigo não é pessimista.
Eu já fiz filmes de amor. Talvez por isso, e também pela música de Rita Lee com texto que escrevi, pessoas que encontro na rua me agarram e perguntam: 'Mas... afinal, o que é o amor?' E esperam, de olho muito aberto, uma resposta 'profunda'. Eu penso, penso e digo: 'Sei lá...'
Não sei, ninguém sabe, mas há no ar um lamento profundo pelo fim do sonho platônico de harmonia, de felicidade, de happy end. Sinto dizer, mas não há mais espaço para o happy end, nem no amor, nem na política, em nada.
Quando eu era jovem, nos anos 60/70, o amor era um desejo romântico. Depois, nos anos 80/90 foi ficando um amor de consumo, um amor de mercado. O ritmo do tempo acelerou o amor, o dinheiro contabilizou o amor, matando seu mistério impalpável.
O amor, e tudo mais, está perdendo a transcendência. Não existe mais o amante definhando de solidão, nem Romeus nem Julietas, nem pactos de morte, não existe mais o amor nos levando para uma galáxia remota, nem a sagrada simbiose que nos traria a eternidade feliz.
O amor não tem mais porto, não tem onde ancorar, não tem mais a família nuclear para se abrigar. O amor ficou pelas ruas, em busca de objeto, esfarrapado, sem rumo. Não temos mais músicas românticas, nem o lento perder-se dentro de 'olhos de ressaca', nem o formicida com guaraná. Mas, mesmo assim, continuamos ansiando por uma paixão impossível. Existe o amor, claro. O que chamamos de 'amor' vive dentro de nós como uma fome 'celular'. Está entranhado no DNA, no fundo da matéria. É uma pulsão inevitável, é uma reprodução ampliada da cópula entre o espermatozóide e o óvulo, se interpenetrando. Somos grandes células que querem se reunir, separadas pelo sexo que as dividiu. O resto é literatura. Se bem que grandes poetas como John Donne sabiam que não viramos 'anjos' com o amor; sabiam que o amor é uma demanda da terra, para atingirmos a calma felicidade dos animais.
Mas, onde anda, hoje em dia, esta pulsão chamada 'amor'? Bem... vamos lá:
Uma das marcas do século 21 é o fim da crença na plenitude, na inteireza, seja no sexo, no amor e na política. Não adianta nos lamentarmos, pois estamos diante de um mundo afetivo e sexual muito novo, que muda veloz como a tecnologia.
Se isso é um bem ou um mal, não sei. Mas é inevitável.
Temos de parar de sofrer romanticamente porque o 'acabou o amor' (ou mesmo o paraíso social...) ou, ao menos o antigo amor.
O pensamento afetivo, amoroso, ou filosófico continua lamentando uma unidade perdida. Continuamos - amantes ou filósofos - a sonhar como uma volta ao passado harmônico. Temos uma nostalgia lírica por alguma coisa que pode voltar atrás. Não volta. Nada volta atrás. Há que perder esperanças antigas e talvez celebrar um sonho mais trágico, efêmero. Em tudo.
Não adianta lamentar a impossibilidade do amor. Temos de celebrar o neo-amor. Cada vez mais só o parcial, o fortuito é gozoso. Só o parcial nos excita. Temos de parar de sofrer por uma plenitude que não chega nunca.
Hoje, há que assumir a incompletude talvez como única possibilidade humana. E achar isso bom. E gozar com isso.
Em todas as revistas, fotos, filmes, a 'imagerie' do erotismo contemporâneo 'esquarteja' o corpo humano. Vejam as artes gráficas, fotos de revistas de arte, como Photo, (ou em Tarantino) onde tudo é (reparem) decepado, dividido, pés, sapatos escarpins negros, unhas pintadas, bocas vermelhas, paus, seios, corpos imitando coisas, tudo solto como num abstrato painel. Tudo evoca a impossibilidade saudosa de um 'objeto total', da pessoa inteira.
À primeira vista parece uma louvação da perversão, do fetichismo, do erotismo das 'partes', do 'amor em pedaços'. No entanto, estamos além do fetichismo, além da perversão - conceitos do século 19.
Não há mais 'todo'; só partes. O verdadeiro amor total fica cada vez mais impossível, como as narrativas romanescas.
Hoje em dia, não há mais noção do que seria a felicidade, como antigamente. O que é ser feliz? Onde está a felicidade no amor e sexo? No casamento?
Sem a promessa de amor eterno, tudo vira uma aventura. Em vez da felicidade, o gozo rápido do sexo ou o longo sofrimento gozoso do amor, só as fortes emoções, a deliciosa dor, as lágrimas, hotéis, motéis, perdas, retornos, desertos, luzes brilhantes ou mortiças, a chuva, o sol, o nada.
O amor hoje é um cultivo da 'intensidade' contra a 'eternidade'. É o fim do happy end. É bom que acabe esta mentira do idealismo romântico americano, para legitimar a família e a produção, pois, na verdade, tudo acaba mal na vida. Não se chega a lugar nenhum porque não há aonde chegar.
O amor, para ser eterno, tem de ficar eternamente irrealizado. A droga não pode parar de fazer efeito e, para isso, a 'prise' não pode passar. Aí, a dor vem como prazer, a saudade como excitação, a parte como o todo, o instante como eterno. E, atenção, não falo de masoquismo; falo de um espírito do tempo. É bom sofrer numa metafísica passional, é bom a saudade, a perda, tudo, menos a insuportável felicidade.
Tudo bem, buscarmos paz e sossego, tudo bem nos contentarmos com o calmo amor, com um 'agapê', uma doce amizade dolorida e nostálgica do tesão, tudo bem... Mas, a chama emocionante só vem com a droga pesada do século 21: a paixão. E isso é bom. Temos de acabar com a idéia de felicidade fácil. Enquanto sonharmos com a plenitude seremos infelizes. A felicidade não é sair do mundo, como privilegiados seres, como estrelas de cinema, mas é entrar em contato com a trágica substância de tudo, com o não-sentido, das galáxias até o orgasmo. Temos de ser felizes sem esperanças.
E tem mais: este artigo não é pessimista.
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